segunda-feira, 30 de março de 2015

Amanhã

Amanhã espero tomar o meu último shot de Herceptin (trastuzumabe). Foi um longo ano, primeiro com doses semanais, depois espaçado de 3 em 3 semanas.  Já quase nos tratamos por “tu”.

Há um ano atrás, estava prestes a iniciar a combinação do trastuzumabe com o paclitaxel, que me acompanharam até agora, ajudando o organismo a combater e evitar recidivas. Vislumbrar o último shot provoca, ao mesmo tempo, uma sensação de alívio e um calafrio.

Acredito que talvez por esta via de anticorpos criados e adequados aos vários tipos de cancro que se poderão controlar muitos deles. Espero que sim e em breve, se faz favor.

Quem diria que uma droga feita com células de ovário de hamster chinês poderia ser tão útil para mulheres com cancro de mama (HER+). E logo eu que nem gosto de hamsters…

Há coisas na nossa vida que nos acontecem nos momentos certos. Hoje enquanto tentava terminar um texto no trabalho, ouvia a colega do lado no seu telefonema nr. 500 do dia e o cérebro teimava em desviar do texto e ia parar à vida “pós-herceptin”… é difícil não pensar que esta droga pode estar a evitar o bicho de reaparecer. E agora que a vou deixar de tomar?

Poucos minutos depois, as minhas amigas americanas enviam uma mensagem. É normal haver interacção com elas, sempre a enviar mensagens de apoio e carinho, com informações, artigos, dicas e até piadas sobre cancro. Hoje era uma história de uma sobrevivente há 26 anos. Estava tudo delirante. Pessoalmente foi o maior “recorde” de sobrevivência ao CIM que já vi, em tudo o que já li e reli. Bem, como sou teimosa, vou ter de bater este recorde. Daqui a 26 anos, voltamos a conversar sobre isto. Apontem na agenda.

De resto, chegou a primavera e eu preciso de vit. D. Todos precisamos.


Este ano, particularmente, sinto-me cansada e ainda só voltei ao trabalho há cerca de 2 meses e meio. Também sinto que, no geral, as pessoas andam cansadas e muito carrancudas. A não ser que tenham um problema grave, sorriam e façam sorrir. A vida são 2 dias e 1 já passou.  

Bjinhos
vera 

Onde está o bicho?

segunda-feira, 23 de março de 2015

M.

Hoje é um dia triste na reitoria da Universidade de Aveiro.

M.,

Não tive o prazer de privar contigo. Vi-te algumas vezes pelos corredores da reitoria, sempre simpático e com um ar feliz. Mas nunca conversámos a sério, não tivemos tempo.

Apenas falamos uma vez, uma única vez. Lembro-me como se fosse hoje. Estavas com os teus pais no café do Retail Park e eu entrei com a minha filha. Conhecíamo-nos apenas de vista, mas já sabíamos que partilhávamos a besta do cancro. Apresentaste-me os teus pais e conheceste a minha filha.

Demos um abraço, como se fossemos velhos amigos. Éramos, sim, novos companheiros de luta. Falamos dos nossos planos de tratamento. Ainda nos rimos bastante, porque quando eu disse que ia rapar o cabelo em breve, tu disseste, em jeito de brincadeira, que desse trabalho já estavas safo, porque já eras quase careca.

Sei que a tua luta foi dura e que nunca te faltou o amor e apoio da tua mulher e família.
Sinto que uma parte de nós desmorona sempre que alguém morre de cancro no nosso circuito. Podíamos ser nós, aliás podemos ser nós a qualquer momento. Morrer todos sabemos que vamos um dia. A diferença é que, para nós, essa noção é mais crua e mais fria. Sente-se na pele.

Até um dia M. e olha pela tua família.

Um abraço,
Vera


quarta-feira, 11 de março de 2015

Coisa de velhos

Lembro-me de muita coisa da minha infância e pós-infância. Uma delas é que o meu pai era umas das únicas pessoas na aldeia a ter um equipamento de medir a tensão arterial e volta e meia lá vinham algumas pessoas pedir ao meu pai para ver se a tensão estava boa. Ele não era médico, nem nada que o pareça, apenas um agricultor que sabia medir a tensão às pessoas mais idosas. Nunca soube manobrar o dito equipamento, que ainda deve andar lá pela casa em Viadal, Serra da Freita.

Se alguém me dissesse que eu aos 34 anos andaria quase diariamente a medir a minha tensão arterial, eu diria que estavam loucos, isso é coisa de "velhos", ou devia ser. Cá estou eu nesta minha tarefa, hoje porque me senti estranhamente cansada, fisicamente em baixo. A tensão arterial mais baixa deixa-me assim. Desde a radioterapia que tenho sentido mais dificuldade em manter valores estáveis e o herceptin talvez não ajude à festa.


De qualquer modo, já estou na cama, enquanto a criança ainda azucrina o pai. Tenho sentido necessidade de dormir muito, pelo menos comparando com o que dormia antes. As minhas insónias têm-me dado tréguas, talvez porque o corpo pede para descansar. Acho que já o pedia antes, eu é que achava que havia sempre algo mais importante do que descansar.  Não é à toa que existem horas recomendadas para o sono. O nosso corpo precisa mesmo disso, de se recuperar e de fazer o "shut down" por algumas horas. 

Por isso, vivam muito bem a vida no dia a dia, mas descansem o suficiente para recuperar. Não há dinheiro ou estatuto que se ganhe hoje que pague a nossa saúde amanhã.

Desculpem a filosofia, já só está o "Tico" a funcionar, o "Teco" já ronca.

Bjinho

segunda-feira, 9 de março de 2015

Espírito certo

Sabemos que estamos com o espírito certo para a batalha quando o seguinte episódio acontece e não batemos no nosso interlocutor :)

A Vera na medicina do trabalho.
Médico: Você está com as mãos inchadas...é sempre assim?
Eu: Sim, é do trastuzumab.
Médico: Mama ou ovários?
Eu: Mama.
Médico: Ah, não diria. Mas você é nova, as taxas de sucesso no tratamento de cancro da mama são elevadas.
Eu: o meu cancro era o inflamatório.
Médico: Ah...



sexta-feira, 6 de março de 2015

O penúltimo

Hoje tomei o meu suposto penúltimo shot de Herceptin. Estamos quase lá :)
Quanto aos exames trimestrais, vamos deixá-los para o próximo mês, depois do ÚLTIMO Herceptin. Vai estar tudo bem e vou poder "dedicar-me" somente à hormonoterapia :)

Correu tudo bem hoje, sempre com a simpatia do meu querido oncologista, o bom humor e alegria do enfermeiro Luís e a cara sorridente que a Licínia faz quando chego. É incrível como as pessoas alegres e bem dispostas nos fazem bem. Já agora, obrigado enf. Luís pelo abraço de hoje. Senti que estava feliz por eu estar a acabar esta fase.

Tenho sido sempre muito mimada neste meu percurso de doente oncológica e, ignorando a parte do cancro, aprendi que muita gente gosta de mim como sou, com as minhas virtudes e defeitos. Tenho vindo a descobrir que há pessoas boas em todo o lado e que, no meio de tanta gente mesquinha e sedenta de poder, são as boas que brilham, que irradiam mais felicidade. É dessas que eu gosto de me rodear.

Em jeito de conclusão, quero apenas dizer-vos que hoje o Dr. Leal perguntou-me se eu tenho passeado! Este senhor vai estar sempre no meu coração, porque sabe ver além do doente. Basicamente o que ele quer saber é se tenho aproveitado o meu tempo para me divertir, ser feliz e viver a vida enquanto cá ando. Ordens cumpridas :)

E vocês, têm passeado?

Bjinho
vera



domingo, 1 de março de 2015

O bolo de chocolate

Este bolo de chocolate vegetariano, sem produtos de origem animal, trouxe-nos ótimos momentos este fim de semana. Só acabou hoje, porque cá em casa os doces rendem muito agora.

Com a visita dos sogros na sexta-feira, aproveitei que a Rita tinha adormecido para preparar uma sobremesa.  Por norma, tento não preparar sobremesas com muito açúcar, por isso fui buscar esta receita a um livro de cozinha vegetariana da Gabriela Oliveira, no qual todas as receitas excluem os açucares brancos, e quando necessário incluem o amarelo, o mel ou stevia…qualquer outro açúcar, que não o branco.

Aqui o meu charmoso costuma queixar-se do facto de eu não conseguir seguir as receitas à risca…faz parte do meu caráter. No entanto, alterei pouca coisa nesta. A receita dizia para usar bebida de soja, mas como é um alimento “proibido” na minha alimentação, substitui por aveia. Reduzi a quantidade de açúcar, de óleo e de fermento, porque me parecia exagerado, e a massa já me parecia estar bem ligada. Mania de opinar J

Usei um cacau quase puro, que deu ao bolo um travo forte e semi-amargo. A receita diz que se pode usar chocolate em pó, mas eu prefiro o cacau. Quanto mais puro e menos trabalhado, melhor para todos. Preparei também uma cobertura de chocolate e leite de aveia, com 1 c. de sopa de açúcar mascavado. Estava muito boa, a bebida de aveia liga muito bem com o chocolate.

Confesso que estava na expetativa da primeira garfada na sexta-feira, mas começaram todos a dizer que estava bom, até que se aperceberam que era um bolo sem ovos, sem manteiga e aí começaram os defeitos (brincadeirinha). O bolo rendeu imenso. Deu para sexta, para os babysitters Sónia e Miguel no sábado à tarde, para o jantar de sábado à noite com as amigas cá em casa e só hoje a minha maior crítica (a Rita) comeu o último pedaço deliciada.  Será caso para repetir.



Esta é a receita da massa:

1 cháv. e meia de farinha de trigo
meia chávena de farinha de trigo integral
1 cháv. e meia de açucar amarelo
1 c. sopa de linhaça
5 c. sopa de cacau em pó
1 c. sopa de fermento em pó
1 c. café de bicarbonato de sódio
1 cháv. e meia de bebida vegetal
meia chávena de óleo
1 c. sobremesa de sumo de limão

Usem a mesma chávena para as medidas. Experimentem e digam-me se correu bem. Como vêm, é possível comer mais saudável, sem deixar de comer um bom bolo de chocolate de vez em quando.

Bjinho

vera